O documentário de Al Gore “Uma Verdade Inconveniente” é tendencioso?
O que a ciência diz...
Apesar de pequenos erros no documentário “Uma Verdade Inconveniente”, a afirmação principal de que a humanidade está causando o aquecimento global é consistente com a literatura científica especializada.
Al Gore entendeu errado
O documentário ganhador do Oscar, de Al Gore, sobre o aquecimento global, Uma Verdade Inconveniente, foi [...] criticado por um juiz do Supremo Tribunal que destacou que ele teria cometido “nove erros científicos” no filme.
O Juiz Justice Barton declarou que, apesar do filme ser relativamente preciso em sua exposição sobre as mudanças climáticas, ele identificou nove erros significativos que foram levantados dentro de um “contexto de alarmismo e exageros”, para sustentar a visão unilateral do ex vice-presidente dos Estados Unidos sobre o tema (The Guardian).
É importante ressaltar que Al Gore é um político e não um cientista climático, e que desacreditá-lo não reduzirá a certeza que se tem sobre o aquecimento global antrópico. Apesar disso, é muito válido analisar os supostos erros no documentário pois eles revelam muito sobre a ciência do clima e a abordagem utilizada pelos seus críticos.
O que Al Gore apresentou corretamente no documentário
Retração das Geleiras do Himalaia
Ao contrário do que James Taylor apresenta em seu artigo, em momento algum o periódico “Journal of Climate”, da American Meteorological Society (AMS), apresentou a informação de que o crescimento das geleiras do Himalaia estava “confundindo os alarmistas do clima” - esta informação equivocada é encontrada no endereço eletrônico do Instituto Heartland, e foi escrita pelo próprio James Taylor. Na verdade, ele está citando a ele mesmo e atribuindo a informação à AMS. O estudo original da AMS não refuta as mudanças climáticas antropogênicas, apenas destaca um comportamento anômalo observado em uma região específica do Himalaia, as montanhas Karakoram. Esta região tem demonstrado um aumento de curto prazo nas geleiras locais, em contraste com a retração de longo prazo observada em todo resto do Himalaia a qual está associada a processos de retroalimentação (feedbacks) atuantes durante a época de monções (período do ano no qual ocorrem chuvas intensas na região). De maneira geral, as geleiras do Himalaia estão em retração - medições de satélites indicam uma “deglaciação total de 21%”, no período de 1962 a 2007. As geleiras das Montanhas Karakoram são uma exceção à situação geral observada.
O gelo da Groelândia está aumentando
Em relação à Groelândia, uma dica para entender a situação é o próprio título da pesquisa: Recente aumento do manto de gelo no interior da Groelândia (Recent Ice-Sheet Growth in the Interior of Greenland). O estudo observou um aumento da massa de gelo no interior da Groelândia devido a um aumento da precipitação de neve – um efeito colateral do aquecimento global – e não leva em consideração o derretimento que ocorre nas extremidades do manto de gelo. De modo geral, a Groelândia está perdendo gelo, fato que pode ser observado pelas medições de satélite aqui, aqui e aqui.
A Antártica está resfriando e o volume de gelo está aumentando
O resfriamento ocorrente na Antártica é um fenômeno estritamente localizado. No estudo original se observou um resfriamento regional na Antártica Oriental. O buraco na camada de ozônio acima do Polo Sul causa um aumento da intensidade dos ventos que circundam o continente, impedindo que o ar quente de fora atinja a Antártica Oriental e o Platô Antártico. O lado negativo disso é que a Península Antártica tem “registrado uma das mais altas taxas de aquecimento da Terra, aproximadamente 3°C nos últimos 50 anos”. Enquanto a Antártica Oriental apresenta um aumento do volume de gelo, o continente antártico como um todo está perdendo gelo. Isso ocorre principalmente devido ao derretimento na Antártica Ocidental, que recentemente apresentou o maior derretimento observado por satélites nos últimos 30 anos.
Furacões
O que está em debate não é se o aquecimento global está causando mais furacões mas se está aumentando sua severidade e longevidade.
Os fatos que Al Gore errou no documentário
Monte Kilimanjaro
Sem dúvida, o desmatamento parece ser a causa da retração das geleiras do Monte Kilimanjaro, portanto Gore cometeu um erro. Em sua defesa, o estudo de Philip Mote foi publicado após o lançamento do documentário de Gore. O autor faz a seguinte análise: “O fato da perda de gelo no Monte Kilimanjaro não poder ser usado como prova do aquecimento global não significa que a Terra não está aquecendo. Existe uma base sólida de evidências de que a temperatura média da Terra tem aumentado nos últimos 100 anos, e o declínio de geleiras de média a alta latitudes é uma peça importante destas evidências.”
O termômetro do Dr. Thompson
No documentário, Al Gore se refere a um gráfico de temperatura, atribuindo-o ao Dr. Thompson. O gráfico na verdade é uma combinação do Taco de Hóquei de Mann (Mann, 1998) e medidas de temperatura da superfície obtidas pela Unidade de Pesquisa Climática (Climatic Research Unit, CRU) (Jones 1999). Apesar disso, o ponto fundamental de que as temperaturas atuais são superiores ao Período Quente Medieval está correto e é sustentado por múltiplas reconstruções e indicadores paleoambientais. Mais sobre o termômetro de Thompson.
Translation by Luciano Marquetto, . View original English version.
Argumento cético...